Assisti a tantas conferências interessantes que tive MUITA dificuldade em decidir sobre qual escreveria. Segui a minha intuição, e hoje trago-vos a que mais me intrigou, a que mais me fez pensar e sobre a qual gostava também de reunir mais opiniões. Vou apresentar-vos o que foi debatido, a minha opinião e também a opinião de um dos maiores artistas do hip-hop português, o Ace (Mind da Gap).
Esta talk discutiu a interseção da AI com a arte e teve como convidadas a artista britânica Imogen Heap e Shara Senderoff, co-fundadora da Jen. A Jen é uma aplicação que é uma espécie de Chat GPT da música, em que é possível criar músicas através de prompts [um prompt é um comando ou instrução que orienta uma inteligência artificial, ferramenta ou sistema a realizar uma tarefa específica.]
Confesso que o pressuposto da APP me deixou desconfortável, ainda mais com a apresentação da Shara, que nos disse que não precisamos de mais música e que os artistas precisam sim da habilidade de tocar qualquer instrumento. Alguém que não sabe tocar um ou mais instrumentos, pode assim dar forma à música que imaginou no seu coração ou cabeça, conseguindo criar produtos que transcendem a forma como as coisas são criadas. E aqui a minha indignação começou a dar espaço a um ok, isto é válido.
Mas depois – e esta talk serviu também para isso – lançou uma feature da Jen, o Style Filter. Depois de criarmos uma música através de um prompt, podemos transformá-lo com o estilo/vibe de um artista, com este filtro.
E aqui, perdeu-me outra vez.
Então a vibe de um artista não é precisamente o que o torna único? Qual a vantagem de eu criar uma música e dar-lhe a vibe de outra pessoa? Isto não é usurpação artística e até intelectual?
Poucas respostas para tantas perguntas. As duas speakers focaram-se em defender em como isto é mesmo uma grande cena. Shana, disse-nos, mais do que uma vez, o quanto a ética é importante para si e para o seu produto tecnológico. “Somos apaixonados pela ética” e reforçou várias vezes “a transparência, a proteção e a compensação para os artistas”.
[Compensação dos artistas num mundo dominado pelos streamings pagos ao preço da chuva? Count me in.]
Imogen, ratificou: “A Jen garante uma receita adicional para os músicos. A força e a determinação de Shara em manter os fundamentos éticos desde o início são inspiradoras, um exemplo muito raro de um serviço que contribui para um futuro em que os artistas serão valorizados e devidamente recompensados.”
Defenderam ainda que o Style Filter prova essa visão da criação artística, ao introduzir uma forma inovadora de permitir que as pessoas colaborem com a essência musical de artistas com os quais talvez nunca tivessem a oportunidade de trabalhar diretamente. É uma visão democrática e interessante, é certo. Mas mesmo assim, não me convence.
Ao mesmo tempo, Imogen diz-nos que a uniqueness de cada artista, é o que o ajuda a destacar-se em relação a outros. E acredita que este sistema pode unir criadores musicais pelo mundo todo. Ok, és um cantor sem banda, podes unir-te a outros músicos e assim criar uma música com recursos a que, físicos, dificilmente terias acesso. Mas, se és um artista, queres parecer-te com outro artista? Mesmo que isso signifique receita para esse artista? Sinto que é aquele eterna discussão de como uma cópia é, no fundo, um grande elogio. Para mim elogio é inspiração e inspiração, não é nem nunca pode significar uma cópia.
E sobre a Jen ter como objetivo facilitar o processo criativo dos artistas, fornecendo recursos tecnológicos que ampliam as possibilidades musicais, Ace, dos Mind da Gap, diz-me:
Acho que é o princípio do fim. Isto não é arte, para mim. A arte implica (na minha opinião) alma, implica sangue, suor e lágrimas, implica sacrifício, implica experiências, vivências, implica vida. AI não é vida. É o oposto de vida. Uma coisa é usares ferramentas para facilitar a transposição das ideias para uma materialização artística, outra coisa é não fazer nada senão introduzir dados e cruzar os braços à espera do resultado.
E eu, que fiquei cor-de-laranja quando assisti à defesa desta integração tecnológica por uma artista, concordo com o Ace. À pergunta bazamos ou ficamos nesta conversa, eu escolho bazar. Por muito que o pressuposto seja, como defendem, que fiquemos Todos Gordos ao gerar receita para os artistas, acho que nem todas as formas de o fazer são válidas, ainda mais se isso significar [literalmente] venderem a sua alma, através de um filtro de estilo.
#TheGlitterDream