O cenário é a era digital onde todos têm guardada no bolso uma câmera com boa resolução à distância de um clique. Esta, conservada no nosso telemóvel, oferece conveniência, rapidez e uma qualidade cada vez melhor. Mesmo assim, resgatamos outras. Será esta mais uma prova de que estamos a cansar-nos da perfeição?
Apesar da ideia original associada às redes ser a de partilhar um mundo ideal e rotinas impecáveis filtradas por todo um pensamento e edição anterior, o futuro já começou a ser traçado: raw is the new black.
Esta procura pelo genuíno e autêntico traduz-se no renascer do retro, que agora está por toda a parte. A imperfeição das câmeras, associadas ao facto das fotografias não serem imediatas sugere que se contrarie o natural rumo da sociedade e que se desacelere o tempo. Viver no off, tirar uma fotografia e só mais tarde transferi-la para a galeria alimenta o conceito de desligar e saber apreciar cada momento além-net.
O grande responsável por romantizar o movimento foi, naturalmente, o TikTok, que espalhou as sementes da trend e fez com que, de repente, florescessem os milhares de vídeos sobre este estilo fotográfico que culminou num fenómeno viral. Não é àtoa que, nos últimos anos, tenha sido residual a corrida às câmeras. Estranho seria, se num evento de influencers, não houvesse pelo menos uma
destas pousada na mesa. Uma tendência dotada de motivos para não merecer apagar-se.
Num espaço temporal em que reinam as atualizações constantes, posts no feed que captam uns meros segundos da nossa atenção e stories que desaparecem em 24 horas, o reborn deste hábito de ter uma máquina fotográfica representa história, nostalgia e intenção. Não é só sobre a estética vintage ser cool e trendy, é também sobre o espelhar de um desejo profundo de escapar ao tóxico vendaval do imediatismo, da pressa e do que é superficial. A tendência é ser mais, sentir mais, viver mais. Tratar a memória como uma querida amiga e dar-lhe tempo para que se forme em nós e não apenas num disco rígido.
Eu bem sei que obsessões não são saudáveis, mas com um propósito destes, se calhar compensa-nos o risco.
Beatriz Fernandes
Aluna do 2º ano de Ciências da Comunicação na FLUP e Bolseira Gulbenkian
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