De todas as vezes que já tinha estado em Paris, o Moulin Rouge foi apenas um momento de passagem. “Olha ali ao fundo o Moulin Rouge”. Fotografia à fachada e seguíamos caminho. Desta vez, um caso sério de serendipity (enganamo-nos na direção a caminho do Hotel) levou-nos à entrada do teatro, até que alguém disse: e se fossemos ao espetáculo? Entramos para ver os preços e o primeiro impacto foi que não era barato mas fomos rapidamente assolados pela sensação YOLO. Este é um grande perigo (para a carteira) quando viajamos com pessoas que tornam tudo muitíssimo divertido. É que qualquer plano se torna o melhor plano, seja gastar 125€ num bilhete para um espetáculo, seja esperar 45min pelo pedido perdido numa fila interminável no Joe & the Juice.
A experiência
Esta viagem foi para mim (e para os meus pals) uma viagem de inspiração. E se entrar num dos edifícios mais icónicos da cidade e ver o espetáculo (teoricamente) mais icónico, custava 125€ (ou 145€ com 1/2 garrafa de Champagne), para que serve o dinheiro se não para cumprir aquilo que queremos viver?
Decisão tomada, a excitação de fazer algo pela primeira vez e a sensação de que estamos a viver, tornou o pré um dos momentos altos da viagem (o melhor da festa é sempre antes da festa). E apesar do resultado final ter sido uma completa desilusão, Je ne regrette rien. De outra forma não conheceria o Moulin Rouge por dentro e não teria esta história para (vos) contar.
Prelúdio
O espaço é sublime, tanto a decoração como a própria conservação do mesmo. A forma não acompanhou o conteúdo e é um dos raros casos em que é muito mais enriquecedora, bonita e inesquecível.
Luzes baixas, paredes decoradas com histórias e uma sensação permanente de estarmos dentro da própria História. Talvez esteja aqui a culpa da grande desilusão, é que a experiência até começar o espetáculo não fazia prever o quão mau este seria, mesmo com todas as filas e compassos de espera.
O espetáculo
As luzes baixas deram lugar à escuridão que antecede o começo do show. As cortinas sobem, ao mesmo tempo que a música começa a tocar. Entram as primeiras bailarinas. Logo no primeiro acto, sentimo-nos traídos pela expectativa; figurinos fraquinhos fraquinhos e alguma descoordenação entre elas denunciou o que seria o show, mas ainda sem fazer prever a confusão de variedades apresentadas sem qualquer script.
Um circo. Esta é a melhor definição e não é uma metáfora. É que a dada altura (várias, até) entram palhaços tontos com música igualmente tonta, numa tentativa de tornar o show engraçado. Não sei quanto a vocês, mas o único palhaço que tolero é o Fizbo e só porque adoro o Cam de Modern Family. Ok, talvez não seja justo não incluir aqui o Batatinha, pela memória colectiva que remete à infância, obviamente. Como disse, tolero. Não gosto nem acho especialmente graça nem tão pouco que faça sentido num Cabaré, mas aqui, dou a mão à palmatória de que pode ser só um (des)gosto pessoal. (Edit: fui verificar os factos e realmente há palhaços no Cabaré original e até no filme com a Nicole Kidman).
Pelo meio, as bailarinas sempre com as maminhas à mostra, faziam crer que o Moulin Rouge que nos chegou de Hollywood estaria prestes a começar.
Até que o tempo passava e o Cancan francês que esperávamos era constantemente substituído por outras distrações. Sabem aquela sensação quando ouvimos uma música que já conhecemos até à parte do drop? Pois, não houve drop.
Playbacks pouco sincronizados, total ausência de guião e volto a referir os figurinos que eram mesmo muito fracos. Com excepção das plumas, que eram fartas, belíssimas e coloridas, todo o figurino parecia ter vindo de uma espetáculo de final de ano de uma escola, com tecidos comprados em lojas comuns pelos pais, sem tempo. E os detalhes que dão brilho, o reflexo de que o barato sai caro. Aqueles tecidos e brilhos potencialmente inflamáveis não deveriam estar no mesmo espaço temporal que aquelas paredes.
Voltando ao espetáculo, imaginem o seguinte: imaginem só, porque fotografias e vídeos são proibidos e há que respeitar: um senhor vestido de Aladino, dança com outro vestido de Indiana Jones. Entram as bailarinas vestidas de Carnaval no Sapucaí e uma outra, lead singer (em playback) com figurino de Medusa. Não percebi nada. E podem vocês culpar o meu francês fraco, que fez com que não percebesse metade das músicas, mas quando vemos um espetáculo de ballet por exemplo, não são as letras que explicam a narrativa. Há uma história visual, contada com coerência e surpresa na mesma medida, que aqui não existiu.
Pelo meio, o factor wow que se tornou em fator meh: emerge um aquário gigante do chão: “Wow! Isto vai ser incrível.” Mas rapidamente, “Meh”, um investimento de infra-estruturas assim para uma bailarina ser atirada à água e fazer aquilo que quem cresceu com a Disney faz em qualquer mar ou piscina, depois de ver a Pequena Sereia? Que oportunidade de showzaço desperdiçada.
Rapidamente a piscina voltou à base e a sensação : “É isto?” Tomou conta da audiência.
Mais palhaços. For gods sake, que raio? Alguém que me explique.
O espetáculo foi salvo pelas acrobacias de um grupo de rapazes que numa espécie de breakdance em esteróides, construía pirâmides humanas até ao tecto com sorrisos rasgados e a fazer crer que aquilo tudo era fácil. Depois de mais palhaços e bailarinos suspensos por cordas em micro-segundos, dois acrobatas em que pela primeira vez, o base era mais surpreendente do que o que faz pinos no ar, tal era a sua força para suportar um homem em pino invertido com a sua cabeça ou pé, no singular. Impressionante.
Depois deste momento largamente aplaudido, uma bailarina domadora de leões. Leões estes que eram outras bailarinas. Não foi terrível, mas mais uma vez, esperava um Cabaré e não um circo.
De qualquer forma, tenho também de ressalvar que como compramos bilhetes em cima da hora, ficamos na parte de cima do teatro, o que nos fez ter uma percepção mais detalhada das falhas. A meio, fui à casa de banho e ao passar pela parte de baixo, em frente ao palco, a percepção do espetáculo era diferente. Melhor.
Por último, a saber da história dos Cabarés que remonta ao século XIX, não é de estranhar que o corpo da mulher seja visualmente explorado. Mas na minha opinião, no século XXI, há espaço para incluir o homem nesta mesma esfera visual, já que há equidade no número de bailarinos, homens e mulheres. E agora, perguntam vocês, mas se os homens estivessem despidos, não tornaria o espetáculo demasiado visual/sexual? Respondo-vos com uma pergunta: há dois pesos e duas medidas?
Mas bem, como comecei por dizer, ou cantar, Je ne Reggret rien. Foi uma experiência, overpriced para a riqueza do espetáculo, mas uma experiência. E se foi o preço a pagar para uma história com os meus companheiros de viagem, continuo a subir pela Europa, de França a Inglaterra e vou da Edith Piaff aos Beatles: Let it Be.
#TheGlitterDream