Conversa de elevador

Quem nunca subiu 7 andares pelas escadas para evitar ter que ir a conversar com um vizinho no elevador que atire a primeira pedra. O pior é que quando se trata de um prédio movimentado como o meu, a tarefa pode-se tornar cansativa. Tive uma ideia e para cada trajeto acompanhado arranjei o tema adequado. Uma vez que as questões ambientais que tanto inquietam a Dona Arminda do 1.º andar são manifestamente um tédio para o Engenheiro Antunes que mora no 6.º, elaborei a lista de assuntos consoante a pessoa que encontro no rés do chão e que me faz companhia na vertical viagem. Aqui está ela:  

Rés do chão – 1.º andar: Estado do tempo. É a conversa de elevador mais tida desde o século I AC quando o primeiro sistema parecido com um elevador apareceu. Acredito mesmo que o assunto do aquecimento global só tenha surgido para tornar mais quentes as viagens de elevador. Já tanto se falou disto ao longo destas últimas décadas que mais do que um andar a falar do tempo é estar a chover no molhado. Trata-se, portanto, do tema ideal para viagens de curta duração.

Rés do chão – 2.º andar: Futebol. A distância entre o zero e o segundo andar acaba por corresponder à duração ideal para falar de futebol com o fanático Chico. É o tempo preciso para lhe mandar à cara que o clube dele só ganha com as ajudas dos árbitros e é o tempo exato para o deixar sem resposta porque entretanto chegamos ao destino.

Rés do chão – 3.º andar: Prédio. Sendo o andar do responsável pelo condomínio a conversa não poderia ser outra. Excelente oportunidade para me queixar do barulho que o vizinho do 2.º andar faz quando festeja os golos e da falta de cuidado do vizinho do 4.º andar, que deixa a porta da entrada do prédio destrancada quando regressa à noite depois de levar o cão a passear.

Rés do chão – 4.º andar: Animais. Depois de dar umas festinhas no bicho e outras no cão nada melhor que explorar as caraterísticas da perigosa raça e assumir a nossa paixão por animais. Isto torna-nos automaticamente boas pessoas e excelentes vizinhos aos olhos do individuo, o que dá jeito quando falta sal, açúcar e quando precisamos de alguém que vá a nossa casa regar as plantas nas férias (afinal de contas ele não viaja muito para não deixar o Fofo sozinho em casa).

Rés do chão – 5.º andar: Conversa de engate. E chegamos ao andar onde mora a boazona da (boa) zona. Fazer conversa de engate num elevador pode ser muito complicado a não ser que não nos importemos que ela acione o alarme a meio da viagem. Tudo tem que ser muito bem pensado e tiradas como “ É para o quinto andar, certo? Tem graça… sempre achei que gostasse mais de quatro.” são de evitar. Já agora um aviso. Quando o elevador parar, é ridículo passar à frente dela para ser cavalheiro e abrir a porta. A não ser que a porta não seja automática, claro.

Rés do chão – 6.º andar: Conversas profundas. Temas como a busca pela felicidade, a perceção do tempo, a conexão entre o corpo e a mente, o além e a morte (desde que não seja causada por queda de elevador) devem ser abordadas com o vizinho deste andar em virtude da complexidade inerente e do tempo necessário para reflexão.

Rés do chão – 7.º andar: Monólogo. Quando subo tantos andares na companhia da moradora do 7.º  não tenho que me preocupar com a temática já que a conversa é a uma só voz pois a mulher não se cala. É chata, insolente, repetitiva e desagradável. O único cuidado que é preciso ter é o de, andar por andar,  acenar afirmativamente com a cabeça, concordando com tudo que diz, na esperança de chegarmos rapidamente. Ainda hoje me pergunto porque raio fui eu casar com ela.

João Pinto Costa

#TheGlitterDream