Meia-dose de Ansiedade, por favor.

Da mesma maneira que hoje em dia se gravita para a polarização dos ideais económicos, sociais, religiosos, filosóficos e até alimentares, vivemos na era do auto e heterodiagnóstico da saúde mental.

Seja por comparação desproporcional, opinião infundada, ou por constatação descontextualizada, mergulhamos atualmente numa imensidão de pseudo especialistas e profissionais na arte do achismo psicológico.

O resultado desta tendência comportamental são as vagas de afirmacionistas e negacionistas que circulam à nossa volta, e que vivem a sua verdade como se esta não tivesse qualquer impacto naqueles que os rodeiam.

Os Afirmacionistas correspondem ao grupo de pessoas que apresentam frequentemente auto diagnósticos como ansiedade, défice de atenção hiper atividade… e no que toca ao hetero-diagnóstico, tendem a preferir proferir perturbações como a depressão, a bipolaridade, o autismo, e a demência. — tudo na simplicidade de uma conversa de café ou de um post no Instagram.

Os Negacionistas, gostam de diminuir sintomas de depressão, burnout, stress pós traumático ou adição, e desvalorizar sintomas de ansiedade, insónia ou disfunção sexual, tanto nos próprios, como nos pares. “Isso passa”, “é só uma fase”, “imagina se fosses [preencher com uma realidade de comparação objetiva]”.

(Referir que estes exemplos são apenas ilustrativos, e que pode acontecer com qualquer sintoma, circunstância, ou perturbação.)

Ora a consequência da combinação destes dois grandes grupos é uma fauna imensa de “sou um estou ansioso”s e “estou um sou ansioso”s (de agora em diante, SEAs e ESAs, respetivamente). Explico-me: Comecemos pela premissa em causa: Ansiedade. A Ansiedade, por si só, é uma resposta emocional a uma reação fisiológica, o stress.

Coisas que me stressam no dia a dia: trânsito, ineficiências, palestras, a emel, pessoas que mandam mensagens a dizer “Olá, tudo bem?” e não dizem logo o que querem.

Consequência: tensão no pescoço, reatividade, dentes cerrados, batimento cardíaco acelerado.

Até aqui tudo bem.
Eu + fator stressor = Stress
Stress + Cognição = Ansiedade

Mas quando essa resposta ocorre de forma desproporcional ou sem estímulo identificável, e começa a interferir na nossa vida, entramos no território da perturbação de ansiedade.

E aqui a confusão começa.

Porque é que isto é importante? Porque, seja alguém um SEA ou um ESA, grande parte das vezes estas pessoas pertencem à mesma classe dos automedicados, a que eu chamo de “é tudo muito giro quando corre bem”.

Os SEAs pertencem aos negacionistas, enquanto os ESAs pertencem aos afirmacionistas.

Os SEAs (negacionistas) vivem em sofrimento, mas recusam ou desvalorizam os seus sintomas. Negam os próprios ataques de pânico e arrastam-se em silêncio, como se fosse “normal” viver em alerta constante.

Os ESAs (afirmacionistas), por outro lado, declaram ter ansiedade clínica com base em desorganização pessoal, excesso de estímulos ou simples cansaço.
Querem — e muitas vezes precisam — de atenção e compreensão, mas não necessariamente de um diagnóstico.

Se por um lado os ESAs pecam por excesso, e exigem que respeitem a sua perturbação de ansiedade auto-atribuida, por outro os SEA vivem em sofrimento constante negando ou diminuindo os ataques de pânico que os atingem frequente e imprevisivelmente.

Seja de um lado ou do outro, o resultado final é a piora não só do estado de saúde mental da população, como a deterioração do bom funcionamento social.

É necessária uma consciencialização coletiva sobre o que é saúde mental. Igualmente necessária a valorização e normalização do acompanhamento psicológico.

Caminhamos perigosamente para um contrabalanço exagerado provocado pela banalização dos temas relacionados com o funcionamento do nosso cérebro. Falamos cada vez mais sobre saúde mental, mas cada vez menos com base no conhecimento. O resultado é muitas vezes contrário ao objetivo pretendido, o bem estar das pessoas.

Não sou um estou ansioso, e não estou um sou ansioso, mas conheço vários.

Há uma terceira hipótese. Consultar um profissional de saúde mental (psicólogo ou psiquiatra), e fazer um diagnóstico fidedigno. Seja sobre ansiedade ou qualquer outra questão. (Se não sabes onde o/a encontrar, vai a MindMatch.pt)

“E como é que sei se preciso?”

Bom, se já te questionaste sobre isso, então está na altura certa. Se fazes parte dos ESAs ou dos SEAs, também.


Por João Francisco Lima

#TheGlitterDream