É já hoje que saberemos os vencedores da 98ª edição dos Óscares, os prémios da Academia que finalizam a temporada de prémios de cinema, que se inicia por volta de Novembro, quando quase todos os filmes já estrearam.
Antes de irmos às previsões, é importante perceber como é feita a votação. Cada ramo da academia vota para nomear os seus favoritos dentro da sua categoria. Depois das nomeações serem reveladas, todos os membros da academia podem votar em todas as categorias. Neste momento, a Academia tem 9905 membros votantes, e estima-se que apenas cerca de 60% o façam. Desde 2009 que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas introduziu o sistema de votação de boletim preferencial para o prémio de melhor filme, em que cada votante faz um ranking dos filmes nomeados, o que torna tudo mais imprevisível. Se nenhum filme receber 50% dos votos, o filme com menos votos no geral é excluído e os votos de quem tinha o filme excluído em primeiro no seu boletim são reatribuídos ao filme que escolheu em segundo, e assim sucessivamente até um filme reunir 50% de consenso. Com este sistema, pode não ganhar o filme preferido, aquele que é colocado mais vezes em primeiro, e assim aquele que é mais consensual, ou seja, um filme que fique muitas vezes em segundo e terceiro nos boletins. Isto explica algumas vitórias inéditas dos últimos anos como Everything Everywhere All At Once ou Coda.
Este ano, o favorito começou por ser The Brutalist, um épico de 3h30 produzido com apenas 10 milhões de dólares. Ganhou o Globo de Ouro de melhor filme dramático, e Emilia Perez ganhou o Globo de Ouro de melhor Musical ou Comédia. As nomeações aos Óscares pareciam confirmar as tendências que os Globos revelaram, mas depois tudo mudou. O motivo? Não podemos ter a certeza, mas houve duas controvérsias que parecem ter afectado estes dois filmes. A polémica de The Brutalist é, na minha opinião, uma não polémica. A produção do filme usou inteligência artificial para fundir a voz de húngaros nativos, às de Adrien Brody e Felicity Jones nas poucas ocasiões em que falam exclusivamente em húngaro. Ambos os actores aprenderam húngaro, e esta é uma ferramenta que está a ser vulgarizada na indústria. No entanto, o medo da IA e a duração longa do filme, afastou alguns membros da academia que admitiram que não viram o filme, apesar das suas 10 nomeações.
Para Emilia Perez, que também usa inteligência artificial nas vozes, a controvérsia começou há muitos meses. É uma produção francesa, que retrata como o chefe de um cartel de droga mexicano encontra a redenção depois de fazer a transição para uma mulher transexual. A comunidade mexicana e a comunidade trans acharam ofensiva a forma como foram retratados, mas a polémica só estalou verdadeiramente quando foram expostos tweets racistas de Karla Sofia Gascón, protagonista do filme, e a primeira mulher trans a ser nomeada a um Oscar de desempenho. De 13 nomeações, acredito que Emilia Perez poderá vencer dois Óscares. O Oscar de melhor filme estrangeiro, que parecia garantido, agora está em vias de ir parar a Ainda Estou Aqui, o filme biográfico de Walter Salles sobre o período da ditadura no Brasil. Se assim for, o Carnaval terá outro sabor. A Globo já anunciou que irá fazer uma pausa no sambódromo para transmitir os Óscares.
A categoria de actores secundários é das poucas em que os vencedores já parecem garantidos, pois tanto Zoe Saldana por Emilia Perez como Kieran Culkin por A Real Pain ganharam todos os prémios a que foram nomeados antes do Oscar. Curiosamente, ambos os papéis podem ser considerados principais e não secundários, uma vez que são quem tem mais tempo de ecrã nos respectivos filmes. Uma fraude de categoria que as produtoras usam para conseguirem Óscares para os seus actores, que concorrendo numa categoria principal não teriam hipótese de ganhar.
Adrien Body também parecia ter o seu segundo Oscar garantido por The Brutalist, ele que foi o actor mais novo de sempre a ganhar o Oscar. O Sindicato de Actores deu o seu SAG a Timothée Chalamet, pela interpretação de Bob Dylan em A Complete Unknown, deixando a corrida em aberto. Ainda que pouco provável, caso Chalamet ganhe, será o actor mais novo a fazê-lo, numa reviravolta curiosa. Ralph Fiennes ainda não ganhou nada este ano e ainda não tem nenhum Oscar apesar dos seus inúmeros desempenhos brilhantes. Poderá ser a surpresa da noite, mas é muito improvável.
A corrida mais renhida está no Oscar de melhor actriz principal, tal como tem acontecido nos últimos anos. Demi Moore ganhou o Globo e o SAG por The Substance, Fernanda Torres ganhou o Globo por Ainda Estou Aqui e Mikey Madison ganhou o Bafta por Anora. A narrativa de Demi Moore é aquela que costuma sair vendedora nos Óscares. Uma actriz mais velha e popular que vê a sua carreira a ser premiada. É muito comum que actrizes ganhem por papéis onde aparecem desfiguradas. The Substance, um filme de Body Horror, não é o género que agrada à Academia e o único Oscar que parece ter garantido é mesmo o de Make Up e Caracterização. Nos últimos 15 anos, melhor actriz e melhor caracterização vieram de mãos dadas em sete ocasiões. Mickey Madison é Anora e se o filme sair vencedor, é natural que os votantes escolham o seu rosto. Fernanda Torres tem, na minha opinião, o melhor desempenho. É uma actuação subtil, que se faz de silêncios, contenção e olhares, algo muito mais difícil de conseguir. O mundo só despertou para Fernanda Torres depois do Globo de Ouro, mas parece adorá-la. Todos os que veem o filme tecem-lhe elogios rasgados e a Sony fez uma campanha espectacular nos Estados Unidos. Não concorreu directamente com Demi Moore e Mikey Madison em nenhum prémio, por isso não temos termo de comparação. Pode ser wishful thinking, mas acredito que possa vencer.
Anora, o filme de Mikey Madison, parece ser o favorito. É uma tragicomédia sobre uma prostituta de Brooklyn que se casa com o filho de 18 anos de um oligarca russo. Uma história de Cinderela invertida. Não ganhou nenhum dos prémios que foram transmitidos na televisão, mas ganhou o prémio do Sindicato dos Produtores, o do Sindicato dos Realizadores e o do Sindicato dos Guionistas, prémios que costumam espelhar o que vai acontecer nos Óscares. A única vez em que um filme tinha estes três prémios e perdeu o Oscar de melhor filme foi Brokeback Mountain. Anora é um filme independente com muitas cenas de sexo e uso de drogas, e uma ala mais púdica da Academia pode achá-lo excessivo. Além disso, parece estar a perder terreno nas outras categorias a que está nomeado para além das de desempenho, como realizador para Brady Corbet de The Brutalist, edição para Conclave, e melhor argumento original para A Real Pain de Jesse Eisenberg. Há quem acredite que pode sair da cerimónia com 5 Óscares e há quem acredite que pode sair sem nenhum. É aquele em que apostaria neste momento porque os indicadores são muito fortes, mas estou pouco segura da sua vitória.
Conclave parece ser o seu principal adversário. Ganhou o Bafta, embora por ser inglês possa ter alguma vantagem, e ganhou o SAG para ensemble, um dos maiores indicadores dos últimos anos para o vencedor ao Oscar. Os actores são o maior ramo votante da Academia e não mostraram amor por Anora na sua cerimónia de prémios. Este thriller papal é um filme que parece agradar a quase todos. É o favorito para ganhar melhor argumento adaptado e edição, um combinado que já deu o Oscar principal a vários filmes. É um filme old school, com um elenco de luxo, o género de filme que vai ficar muitas vezes em segundo e terceiro nos boletins de voto e que poderá sair vencedor. As últimas vezes em que um filme ganhou contra um filme que tinha vencido o Sindicato de Produtores e Realizadores, tal como fez Anora, foram Moonlight e Parasite. Apesar de gostar muito de Conclave, não terá o impacto histórico dos anteriores. Talvez esteja na altura de falarmos no outro possível vencedor.
The Brutalist teve uma campanha muito estranha. Desapareceu depois do Globo, e só reapareceu nos Bafta, com Brady Corbet, o realizador de apenas 36 anos a ganhar o Bafta de melhor realizador que todos achavam estar seguro nas mãos de Sean Baker por Anora. Achei que foi merecido e apostarei nele. Os desempenhos no filme são todos irrepreensíveis. Adrien Body está a anos-luz de qualquer outro desempenho deste ano e Felicity Jones e Guy Pearce também estão no topo da sua liga. O filme, que retrata um arquitecto judeu que emigra para os Estados Unidos depois de ter estado num campo de concentração, é o único dos três possíveis vencedores que ficará na memória. É um filme magnânimo que fala de temas tão importantes como a experiência judaica após a segunda guerra mundial e a desilusão que pode ser o sonho americano para um imigrante. É uma obra cheia de camadas, que os espectadores levam para casa e nela ficam a pensar por muito tempo. Já vi o filme há quase um mês e ainda não parei de pensar e de falar sobre ele. É gravado em VistaVision, a tecnologia usada nos anos 50, o que o torna num filme lindíssimo que tem o Oscar de melhor fotografia praticamente garantido. A banda sonora ajuda à experiência cinematográfica única e também deve levar o Oscar para casa. Poderá facilmente ser o filme mais oscarizado da noite, ainda que não ganhe melhor filme. É o meu favorito, acho difícil que ganhe, mas a esperança é a última a morrer.
Ainda em aberto está também a categoria de Melhor Documentário. No Other Land, o documentário sobre a violência no West Bank, que começou a ser gravado anos antes do 7 de Outubro, parece ser o favorito a nível internacional. No entanto, não encontrou um distribuidor nos EUA, foi boicotado por salas de cinema, e o filme foi exibido à custa de iniciativas privadas. Será que a Academia terá coragem para premiar um filme sobre a Palestina? Tenho as minhas dúvidas. Porcelain War, um documentário sobre a vida de artistas durante os últimos 3 anos de guerra na Ucrânia, uma guerra cuja tomada de posição é mais consensual em Hollywood, foi o vencedor do Sindicato dos Produtores. Voto no primeiro, mas não me admirava se ganhasse o segundo. Nos filmes animados, a decisão parece estar apertada entre Flow e Wild Robot. Embora o primeiro seja um queridinho dos cinéfilos, e que está também nomeado para melhor filme estrangeiro pela Letónia, o filme da DreamWorks parece levar alguma vantagem. Questões a que só saberemos a resposta na madrugada de Segunda-Feira.
Óscares bons são Óscares difíceis de prever e que nos deixam na expectativa até à última, como é o caso deste ano, em múltiplas categorias. Comecei a fazer previsões aos Óscares há mais de 20 anos, muito antes de ir estudar Estudos Cinematográficos em Inglaterra. É o meu jogo favorito e, mesmo agora, com uma filha de 3 anos, estou disposta a sacrificar umas horas de sono preciosas para ver o desfecho de uma competição que comecei a acompanhar entusiasticamente há alguns meses. Vamos ao resumo das minhas previsões:
Melhor Filme
Deverá ganhar: Anora
Poderá ganhar: Conclave/ The Brutalist
Melhor Realizador
Deverá ganhar: Brady Corbet (The Brutalist)
Poderá ganhar: Sean Baker (Anora)
Melhor Actor
Deverá ganhar: Adrien Brody (The Brutalist)
Poderá ganhar: Timothée Chalamet (A Complete Unknown)
Melhor Actriz
Deverá ganhar: Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui)
Poderá ganhar: Demi Moore (The Substance)
Melhor Actor Secundário
Deverá ganhar: Kieran Culkin (A Real Pain)
Poderá ganhar: Guy Pearce (The Brutalist)
Melhor Actriz Secundária
Deverá ganhar: Zoe Saldana (Emilia Perez)
Poderá ganhar: Monica Barbaro (A Complete Unknown)
Melhor Argumento Adaptado
Deverá ganhar: Conclave
Poderá ganhar: Nickel Boys
Melhor Argumento Original
Deverá ganhar: A Real Pain
Poderá ganhar: Anora
Melhor Edição
Deverá ganhar: Conclave
Poderá ganhar: Anora
Melhor Fotografia
Deverá ganhar: The Brutalist
Poderá ganhar: Nosferatu
Melhor Design de Produção
Deverá ganhar: Wicked
Poderá ganhar: The Brutalist
Melhor Cabelo e Maquilhagem
Deverá ganhar: The Substance
Poderá ganhar: Wicked
Melhor Guarda-Roupa
Deverá ganhar: Wicked
Poderá ganhar: Conclave
Melhor Som
Deverá ganhar: Dune: Part Two
Poderá ganhar: A Complete Unknown
Melhor Banda Sonora
Deverá ganhar: The Brutalist
Poderá ganhar: Conclave
Melhor Música
Deverá ganhar: El Mal (Emilia Perez)
Poderá ganhar: Like a Bird (Sing Sing)
Melhores Efeitos Especiais
Deverá ganhar: Dune: Part Two
Poderá Ganhar: Kingdom of The Planet of The Apes
Melhor Filme Estrangeiro
Deverá ganhar: Ainda Estou Aqui
Poderá ganhar: Emilia Perez
Melhor Filme de Animação
Deverá ganhar: Wild Robot
Poderá ganhar: Flow
Melhor Documentário
Deverá ganhar: No Other Land
Poderá ganhar: Porcelain War
#TheGlitterDream